segunda-feira, 23 de novembro de 2020

UMA VIDA MARTIRIZADA - A ESPOSA DE LEONEL DE ALENCAR

 

VINÍCIUS BARROS LEAL (Do Instituto do Ceará)

 

Uma Vida Martirizada

 

"Poucas existências há no Brasil tão cheias de vicissitudes como a sua" escrevia José de Alencar, em 1858, perfilando o seu ilustre pai. No entanto, com muito mais propriedade ainda, caberíam estas mesmas palavras, no pretérito, se a perfilada fosse a avó do romancista. Poucas pessoas sofreram tanto, passaram por tão duras provanças em seu pungente peregrinar.

Quatro anos antes, aos 70 anos, finara-se a desventurada velhinha, cercada por 4 dos 16 filhos e 18 dos 52 netos. Até então, toda a sua vida fora um constante tormento, amargurada por padecimentos morais que bastariam para encher de infelicidade a existência de qualquer mortal.

Nascida na Bahia, em Geremoabo, muito nova veio com a família para os sertões de Pernambuco, fronteiriços ao Ceará. Nessas Capitanias entrelaçavam-se os Carvalhos com os Alencares, e tinham interesses afins na criação de gado e na exploração agrícola.

João Pereira de Carvalho, homem respeitável e de cabedeais, era de caráter superior e honrado. Vindo com outros parentes para a zona caririense, logo mais foi envolvido nas lutas armadas então comuns no sertão, sendo assassinado em Salgueiro, juntamente com 1 filho e 1 fâmulo. Maria Xavier, com 11 anos, foi testemunha ocular do bárbaro crime, nada podendo fazer pelo pai na sua incapacidade de criança diante da estupidez de sicários malvados e atrevidos. A Justiça nada fez, era mesmo desconhecida nos recuados tempos nas ínvias e abandonadas brenhas do Nordeste. Esta foi a primeira marca da tragédia que iria ser a tônica da vida da avó de José de Alencar. Não se contentaram os criminosos só em matar os dois arrimos de família; perversos, incendiaram a residência do sertanejo e o que restou da fogueira foi roubado ou destruído. Nada escapou à sanha dos monstros insaciáveis.

Ficou Maria apenas na companhia de uma irmã mais velha, pois já eram órfãs quando se deu a cena de horror, em 1794.

Maiores males estavam para vir, se bem que, em vista da pouca idade das desamparadas meninas, não atinassem na extensão da desventura que as atingira.

Nos tempos passados casavam muito cedo as mocinhas e logo apareceu um parente que prometia tirá-la daquele mar de sofrimentos. Casou-se com o primo Leonel Pereira de Alencar, rapaz afável e de boa conduta, em princípios de 1801 e logo o casal passou a receber a homenagem e o acatamento devido a pessoas de trato e influência. Era inevitável a projeção do marido no meio. Tornou-se prestigioso e conceituado. A par disto, os negócios progrediram, tornando-se Leonel, chefe da família Alencar, rico e poderoso. Foi a única fase de ventura de D. Maria, mas durou pouco.

As insatisfações com a ligação do Brasil a Portugal eram já manifestadas desde alguns anos e os parentes mais remotos do casal já haviam contribuído com parcela de coragem e do próprio sangue para a formação de nossa nacionalidade. Desde a expulsão dos holandeses e a revolta dos Mascates vinha se desenvolvendo uma crescente agitação que atingiu o auge da comoção social nos acontecimentos de 1817. Os Alencares foram os precursores no Ceará, bem o sabemos. Envolvida, a família com a chegada de Recife do seminarista José Martiniano, a Revolução teve êxito no Crato, graças a influência de D. Bárbara, irmã de Leonel. Este, no entanto, não apareceu como elemento de prol, apesar de sua total adesão moral e material ao movimento.

No revés governista a perseguição foi sem trégua. Irmãos, sobrinhos e cunhados de Leonel foram algemados para prisões do Icó, da Capital e, por fim, para a Bahia. Leonel foge e escapa do fim trágico que o esperava com o seu nome na lista dos "muito culpados". Mais uma vez D. Maria prova um duro infortúnio. Desamparada, com 11 filhos pequenos, sofre o esbulho de todos os bens familiares e a angústia de uma provação indivisível. A nova Constituição promulgada livrou todos os patriotas presos e fugitivos. Leonel, em casa, retoma a direção dos seus arrasados negócios e durante algum tempo viveu em sossego. Mas, surgem as comoções de 1824.

Intitulando-se defensores do Trono e do Altar, realistas malvados desafiam os que pretendem uma Pátria completamente livre. Novamente Leonel toma a frente da grei, e em Jardim, onde residia e era Juiz Ordinário, é atacado pelos sequazes de Pinto Madeira, a 28 de setembro, sendo assassinado barbaramente com o seu filho Raimundo. D. Maria Xavier surge em cena, interpondo-se corajosamente entre os bandidos e o seu marido no desígnio de salvar-lhe a vida. Ferida, foge para o canavial, onde permanece escondida por dias seguidos, dando à luz aí a uma filha que foi a D. Clodes Jaguaribe. Sem ter tempo de enxugar as lágrimas derramadas pelos dois entes queridos é novamente atingida pela tragédia do assassinato de seu irmão Antonio Geraldo, também tombado às mãos de sicários, não sem ter praticado prodígios de destemor.

E os crimes se sucedem, todos atingidos diretamente a matrona. Treze parentes próximos foram sacrificados em poucos dias, dentre eles, sobrinhos e cunhados.

Não suportando mais ficar no Cariri, retirou-se, do cenário de barbáries, utilizando-se do expediente da dissimulação para escapar da sanha dos malvados. Refugiou-se em Fortaleza, onde passou ainda por outro terrível transe. Ana Josefina, sua filha, enamorou-se do primo José Martiniano e nada a demoveu de praticar o maior agravo à velha mãe. Jamais admitiu D. Maria, pelos seus severos princípios religiosos, a união da filha com o primo clérigo e reagiu como o faziam as sertanejas de seu tempo: afastou-se de qualquer convívio com o casal. E assim viveu até o seu último dia, a 6 de janeiro de 1854, quando faleceu no sítio Carrapixo, próximo de Messejana.

Entre os netos que deixou já se destacava José de Alencar. Clodes tornou-se a Viscondessa de Jaguaribe e outro neto, o Barão de Alencar. E muitos de seus descendentes assumiram as culminâncias das letras e da política no Império e na República.

Nos tempos atuais duas expressões enobrecem a descendência de D. Maria Xavier: o Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco e Rachel de Queirós. Rachel já nos brindou, há algum tempo, com uma página magistral, contando a saga de sua trisavô Joana Batista também sofrida nos rancores das rivalidades de famílias. Poderia ela oferecer-nos, do primor de sua pena, um perfil de sua sexta-avó vítima de ódios sanguinários, que desconheceu a Paz e a doçura e que morreu perdoando e amando os que não lhe quiseram demonstrar a força da bondade humana.   

 Texto publicado na Revista Itaytera, número 25, de 1981, nas páginas 65,66 e 67.


NOTA DO AUTOR DO BLOG. Depois de inúmeras pesquisas feitas em fontes confiáveis e originais, é preciso admitir que aa provação pela qual a espoa de Leonel de Alencar passou é real.

No entanto, o autor do texto se utiliza de termos que não condizem expressamente com a realidade dos fatos. Por exemplo, já está provado que Pinto Madeira não defendeu o retorno de D. Pedro I ao trono, que isso foi calúnia criada pelos liberais da época para justificarem suas atrocidades. A esposa de Leonel foi sim sofredora, mas muito do seu sofrimento se deu por situações desastrosas criadas por alguns liberais da época, que colocaram seus planos de vingança mesquinha, acima dos ideais republicanos.  

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