segunda-feira, 9 de novembro de 2020

JARDIM: ELEVAÇÃO À CATEGORIA DE VILA

 

JARDIM: ELEVAÇÃO À CATEGORIA DE VILA

 

            Tendo vagado o cargo de capitão-mor do Cariri, apareceram a pretendê-lo dois homens, então bastante considerados, a saber José Pereira Filgueiras, natural de Santo Amaro, em Sergipe, filho do português José Quesado Filgueiras, e o sargento-mor José Alexandre Correa Arnaud, descendente do povoador de Missão Velha, o segundo casado com uma parenta do primeiro. Sem embargos do crédito que tinha Arnaud junto aos ouvidores, e da consideração e prestígio, que reunia Filgueiras, cujo nome já fazia muita bulha ao longe, e era, pela sua força física e formas atléticas, o objeto dos respeitos e admiração do vulgo, pôde, apesar de menos opulento, fazer-se escolher para esse cargo importante.

            Filgueiras era um homem valente, impetuoso, taciturno grave; Arnaud, faustoso, rico, mais culto e mais inteligente. O primeiro era muito popular, o segundo, soberbo e retraído, um, mais amigo da força que do direito, o outro, pacífico homem de princípios.

            Essas duas personagens, que repartiam entre si consideração pública no ariri, principalmente desde então a se olhar com mútua aversão, e um acontecimento que os pôs em luta ....aberta os levou a mudarem a face dos negócios no termo do Crato, dividindo a população.

             Francisco Calado, pessoa da clientela do sargento-mor José Alexandre, tinha obtido ordem para, em companhia de seus filhos e agregados, prender Gonçalo de Oliveira, casado com uma sobrinha do capitão-mor.

            Oliveira, tendo sido intimado da ordem de prisão, não se quis entregar, e enviou Joaquim Ignácio Cardoso, irmão de sua mulher, com um aviso a Filgueiras para vir resgatá-lo. O capitão-mor recebeu o recado, como de ordinário, sombrio e silencioso, e deixou partir o seu parente sem promessa alguma; mas depois, suspeitando que ele levasse más intenções, montou a cavalo, seguindo-o até reunir-se a ele no arraial de Missão Nova, e em sua companhia foi encontrar, a pouca distância, Oliveira, que já vinha preso.

            Filgueiras exigiu que este fosse entregue, mas a escolta recusou formalmente, e indo por diante a questão, Cardoso saltou em terra, cortou as cordas ao preso, mas caiu varado de uma bala!

            O furor de Filgueiras nesse momento não teve limites. Tomar a arma ao moribundo, dispará-la sobre um dos Calados e, com o coice dela, matar a dois outros foi obra de um instante. A escolta se dispersou, e quatro cadáveres restaram sobre a terra!

            A bravura e ferocidade que Filgueiras desenvolveu nessa ocasião tiveram um grande eco e, acabando de recomendá-lo ao respeito público, valeram-lhe o amor da gentalha. O homem grosseiro só ama o que admira, e não admira, senão o que teme.

            Filgueiras foi, desde então, a personagem mais popular que já houve no Cariri; uma espécie de mito.

            Os Calado acolheram-se à proteção do sargento-mor, este se fez forte com eles no seu sítio Logrador. Do mesmo modo Filgueiras, em chegando a seu engenho São Paulo, tratou de reunir gente e fez suas disposições para atacá-lo.

            Nessas circunstâncias, interveio o vigário do Crato, Miguel Carlos da Silva Saldanha, interpondo sua influência para aquietá-lo, e conseguiu que se debandasse a multidão, que tinha posto em armas. Seguiu-se, porém, o processo dos Calados que, tendo sido pronunciados, Arnaud afiançou e pôs em liberdade.

            José Alexandre foi à capital queixar-se ao governador Manoel Ignácio de Sampaio, e já o tinha posto de seu lado  quando Filgueiras se lhe apresentou e fê-lo tomar o seu partido.

            Sampaio obrigou Arnaud a recolher os Calado à prisão, donde conseguiram evadir-se, e José Alexandre, preso à ordem no Icó, só pode obter soltura a troco de um desterro para fora do Cariri.

            Restituído à liberdade (1812), empreendeu uma viagem à corte para reclamar contra a injustiça de que era vítima, e no  intuito de subtraír-se ao ascendente de Filgueiras, tentar a criação de uma Vila no Jardim, à qual Missão Velha ficasse ligada.

            Nesse empenho foi mais feliz. Em consequência de suas solicitações, o príncipe regente assinou o decreto de 20 de agosto de 1814, pelo qual foi o Jardim ereto em Vila, devendo seu termo abranger não somente a povoação de Missão Velha, mas toda a freguesia, excetuando-se, porém, o brejo Salamanca e os terrenos, que hoje formam a freguesia da Barbalha, onde Filgueiras fazia sua residência habitual. Como compensação, o cargo de capitão-mor da nova Vila foi conferido a José Alexandre.

             A ordem, porém, para a inauguração da nova Vila só foi expedida a 2 de agosto de 1815. Ao ouvidor João Antônio Rodrigues de Carvalho foi incumbido dessa comissão, então bastante honrosa.

            O ato celebrou-se no dia 3 de janeiro de 1816, no meio dos regozijos públicos e com a assistência de vinte e seis indivíduos, chamados da nobreza, entre os quais figuravam alguns, que bem cedo tinham de ser derribados pelo tufão, que começava a soprar, notadamente o fazendeiro Leonel Pereira de Alencar, personagem importante daqueles tempos.

            Faltava ali o capitão-mor Arnaud, que não viveu até esse dia, que devia reputar de seu triunfo. Ao voltar do Rio de Janeiro, foi vítima de diabetes de que sofria, e morreu, sem ver completa sua obra e suplantado o seu rival.

            A Vila do Jardim foi inaugurada ao grito de: 'real, real, viva o Sr. D. João, príncipe regente de Portugal', três vezes repetido pelo meirinho geral da correição, de ordem do ouvidor Carvalho, e respondido pelo povo, como era uso, desta vez em delírio de entusiasmo.

            Cousa singular! Foi quase ao mesmo grito, que esta multidão devia ser bem cedo dizimada, derramando-se muito sangue. O próprio ouvidor estava reservado a bem duros transes! Foi deste modo que uma rivalidade duradoura se ateou entre os dois termos; rivalidade, que, passando de dois parentes a dois povos irmãos, só devia terminar afogada em sangue.

            Com a morte de José Alexandre, foi nomeado capitão-mor de Jardim Pedro Tavares Munis.

            Por provisão de 11 de outubro de 1814, foi criada no Jardim uma nova freguesia. Seu primeiro vigário colado foi o padre Antonio Manoel de Souza, que entrou em exercício em fevereiro de 1816.

FONTE: CEARÁ; HOMENS E FATOS. JOÃO BRÍGIDO DOS SANTOS

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