Dermival de Anchieta Gondim: Um Homem de Fé e Respeito
(Do blog A Munganga. Por Bruno Yakub)
Especial 129 anos de Brejo Santo - CE
26 de agosto de 1890
26 de agosto de 2019
O Padre Dermival em Jardim, numa época de fogueiras de São João.
Por ocasião das comemorações alusivas à Semana
do Município de Brejo Santo, fui convidado pelo amigo Mateus Silva para
colaborar com o primeiro número da revista O BREJO. Eis minha contribuição, uma
singela homenagem ao Monsenhor Dermival de Anchieta Gondim, um homem que tem
realizado muitos bons feitos na nossa terra e merece receber sempre todo o
reconhecimento.
Aproveito o momento para desejar boa sorte a Mateus Silva, com sua revista. O
curioso jovem brejo-santense, amante da informação, administrador de um blog
que leva seu nome, distribui novidades a todos os recantos da Terra da Pedra do
Urubu, somando qualidade à imprensa municipal e caririense.
Obrigado, Bruno Yacub, que tem se empenhado na digitalização do imenso acervo
fotográfico do Monsenhor Dermival. Parabéns, meu amigo, por relevante trabalho.
DERMIVAL DE ANCHIETA GONDIM
Um Homem de Fé e Respeito
Dermival nasceu em 1930, em Jardim - CE, no dia de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em berço de ouro, no seio de uma família abastada. Desde criança, quando a mãe o tomava nos braços, profetizou olhando fixamente aqueles dois olhinhos azuis:
- Finalmente nasceu meu padre!
Dona Doralice Luz se surpreendeu quando
Dermival, já um adolescente, anunciou contente que poderia fazer o enxoval
dele, porque seguiria os votos, como almejava o sonho materno. Aos doze anos,
levado ao Seminário do Crato pelas mãos do pai, o prestigioso Coronel Daudet, o
menino foi aos poucos compreendendo seu chamado, engajando-se para abraçar
definitivamente o sacerdócio. O garoto chegou a recusar uma possibilidade de
estudar na Europa, porque estava intimamente ligado às suas raízes, ao Cariri e
a uma paixão especial que nascia consigo naqueles tempos: uma motocicleta.
Descer a Chapada do Araripe, do Crato até Jardim, era uma das experiências mais
prazerosas que aquele seminarista se entregava. A velocidade e o vento no
rosto, com aquele cheiro verde e úmido, tinham o gosto de uma incomparável
liberdade. Tudo fazia pensar que sofreria muito se se ausentasse dali. No
Ceará, ele poderia realizar suas ambições.
Ordenou-se aos vinte e seis anos, celebrando sua primeira missa na terra natal.
Três meses depois, recebeu a notícia de que o bispo o nomeara para assumir
temporariamente a paróquia de Brejo Santo, pastoreada pelo sofrido padre Pedro
Inácio Ribeiro, acometido de uma artrite reumatoide que lhe paralisava
gradativamente o corpo. Lá, Dermival seria o vigário cooperador.
Feliz e animado por finalmente poder iniciar a prática da obra de Deus,
resolveu chegar cedo, no dia seguinte, até seu destino. "Seria um
excelente passeio pela serra molhada pelas chuvas de março trazidas por São
José", pensou o jovem.
A manhã daquela quinta-feira, 07 de março de 1957, amanheceu cinzenta. Uma
cerração cobria toda a cidade e caía uma neblina calma e silenciosa, depois e
uma madrugada inteira de tempestade. O padre adivinhava que a estrada não
estaria em muito boas condições, o que não chegou a desanimá-lo, mesmo com
insistência do octogenário pai, que julgava um disparate fazer uma travessia
daquelas em uma motocicleta. Seria mais prudente ir a cavalo. Mas Dermival
estava decidido. Recentemente havia trocado sua motocicleta por uma maior, mais
vigorosa, que não o faria temer, pois, antes de tudo, ia em nome de Deus e da
Santa Mãe.
Saiu de casa pouco antes da seis. A viagem foi realmente uma aventura. As
estradas estavam péssimas. Em um determinado trecho alagado, precisou do
auxílio de alguns transeuntes, que o ajudaram a atravessar a moto nos braços e
carregá-lo nos ombros, pois não sabia nadar.
A velocidade na estrada, o vento forte e o calor do sol secaram logo a batina
molhada, que exibia principalmente as barras amarrotadas de lama.
Quando a moto adentrou na Avenida Santos Dummont, derrubando com o rastro
veloz, uma tabuleta de cartaz do Cine Itamaraty, foi um acontecimento. Quem
passeava pelo comércio parou para ver aquela inusitada figura: decerto seria o
novo padre cooperador, a batina não deixava mentir. Era um padre aventureiro.
As crianças se alvoroçavam e corriam atrás daquela novidade.
Padre Pedro estava na calçada da casa paroquial, quando viu a motocicleta se
aproximar, trazendo um jovem distinto, que logo anunciou sua missão:
- Boa tarde, padre Pedro. Sou Dermival, o novo vigário cooperador.
(O Padre Dermival em sua motocicleta.)
O adoentado pároco esboçou um sorriso de
satisfação. O bispo mandava-lhe um menino! Vendo o jovem padre com uma pequena
bolsa, certamente seus pertences mais pessoais, e aquele estado de suas roupas,
pensou: "O rapaz precisa de um banho, de descanso." Indicou
a casa do cooperador ali perto, onde ele deveria se hospedar, quem sabe
repousar um pouco...
- Nada disso, padre Pedro. Eu vim para morar com o senhor!
- Mas meu filho, aqui não é morada para um rapaz como você. Aqui não tem o
conforto a que está acostumado. Aqui tudo é muito simples. O que você tem a
ganhar morando com um velho padre e suas irmãs doidas?
- Pois acaba de chegar mais um doido, padre! -
E ambos riram-se.
A notícia do novo padre foi o acontecimento da semana. A Matriz estava mais
lotada do que o de costume. Todos se apinhavam concentrados para assistir
àquele sério e instruído rapaz, de voz grave e português escorreito, cooperar
com o andamento das missas, ás vezes, celebrá-las por inteiro, considerando a
frágil saúde do vigário maior.
Espalhava-se a fama de sua beleza e daquele exotismo: um homem intocável e imaculado, com estampa de artista de cinema, sobre uma motocicleta pelas estradas daqueles sertões adentro, celebrando missas e ministrando sacramentos.
As beatas diziam:
- Parece um anjo de luz!
As moças cochichavam:
- É até pecado deixar que moços
bonitos assim se ordenem padres...
Foi preciso uma campanha de cima do púlpito
para aplacar uma onda de paixonite coletiva. Aos poucos, aquele sonho utópico e
adolescente arrefeceu nas moças mais insistentes, diante da seriedade e
convicção do novo padre, firme de sua missão. Sentia-se cada vez mais
pertencente àquela gente amiga, que o acolhia a um irmão.
De visão empreendedora, fez muitos investimentos na cidade, como uma fábrica de
mosaicos, uma madeireira, uma farmácia e construção de muitos prédios. Em 1965,
abriu um cinema: o Cine Paroquial, que exibia muitos clássicos, especialmente
filmes bíblicos, de comédias e faroeste.
Seu cuidado com os bons rumos da paróquia inspirou no bispo de lhe dar
definitivamente o título de pároco, pois o padre Pedro a cada dia estava mais
impossibilitado de continuar no ofício. Dermival, entretanto, recusou aquela
hipótese, pois seria cooperador de padre Padre até o fim dos seus dias.
Naquela altura, já era um homem de extremado respeito, de escudo moral
intransponível. Se fosse feito um censo para eleger a maior autoridade de Brejo
Santo, seguramente o padre Dermival seria o possível vencedor. Naturalmente,
tornou-se conselheiro de homens respeitáveis.
Nos idos de chumbo da Ditadura, Brejo Santo teve militares vasculhando a cidade
em busca de opositores das ideias do Governo. Era a caça aos comunistas. para
levar esse infamante título, bastaria ter ideias libertadoras.
Um alto tenente da região foi consultar o padre Dermival sobre quem
especialmente seriam três rapazes, suspeitos de subversão: Chico Andorinha, Zé
Carlos e professor Bezerrinha. O padre garantiu-lhe que seriam somente
estudantes, gente de boa família, convencendo-o de que exageravam naquelas
infundadas denúncias. Foi o salvo-conduto, portanto, dos fervorosos rapazes.
Em 1973, padre Pedro dava sinais de que faria sua viagem celestial. Em vida,
padre Dermival já o tinha como santo, diante de tanta resignação para com
a traumática doença. A artrite acarretava-lhe ondas de dores insuportáveis,
inchaço nos membros, roubando-lhe os movimentos, sem falar na gradativa
cegueira. Quanto mais sofria, mais orava. Testemunha daquele
silencioso calvário, o padre cooperador veio assumir definidamente a
paróquia depois que se fechou a pedra de mármore sobre o corpo santo de
Padre Pedro Inácio Ribeiro.
Sepultado no interior da Igreja Matriz, o Brejo poderia dizer que agora tinha um santo. Se vivo Padre Pedro operava milagres, ao lado de uma milícia de anjos, passou a derramar graças infindáveis sobre aquela terra.
Anos depois, passou a residir no bairro São Francisco. Naquelas terras dadas
pela fé para apadrinhamento do santo humilde e generoso, reconstruiria o
Santuário, destruído por uma forte chuva. A obra inspiraria mais nosso povo
sobre os ideais franciscanos.
Tornou-se um dos homens mais respeitados pela Igreja. Recebeu o título de
Monsenhor e, a partir de 2005, passou a ser Vigário Geral da Diocese do Crato.
Deixa para Brejo Santo um legado firme, de respeito, moral,
empreendedorismo e devoção no Sagrado Coração de Jesus, em São Francisco e
na Virgem Maria.
Hérlon Fernandes Gomes - Porto Velho, 03 de agosto de 2019.
Para Chico de Sinésio, proprietário do Bar Caldeira do
Inferno. Certa vez, em uma reunião da Diocese, uma autoridade
eclesiástica teria perguntado ao padre Dermival se era verdade que em
Brejo Santo havia uma Caldeira do Inferno. O Padre respondeu que na verdade,
sim, mas não havia porque se preocupar, lá todos os "cãos" eram seus
amigos.
Referências bibliográficas:
- Sá, Francisca Aldeniza de, Monsenhor Dermival, Um resgate histórico, Instituto de Formação e Educação Teológica, Curso de Graduação em História, Brejo Santo - CE, 2014;
- Moreira, Maria e Fátima Alves, Monsenhor
Dermival, Uma história de vida, editora da Autora, Brejo Santo - CE, 2016;
- Cavalcante, Francisco Mirancleide Basílio,
Memórias de Brejo Santo, Dados biográficos dos homenageados em
logradouros públicos, Brejo Santo - CE, 2001;
- Entrevista com Monsenhor Dermival, realizada em
31 de julho de 2019, em Brejo Santo - CE;
- Entrevista com Chico de Sinésio, no Bar Caldeira
do Inferno, 10 de agosto de 2019.
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